Wesley Cesar Gomes Costa, advogado especialista em Direito Empresarial e Direito Constitucional
Em 1987, a banda Titãs lançou a música “Comida”, que se tornou um clássico do rock brasileiro. A letra, com sua melodia provocativa, nos convida a refletir sobre as relações entre necessidade, desejo e vontade. O questionamento central, “você tem fome de quê, você tem sede de quê?”, ressoa profundamente em nossa sociedade, especialmente quando consideramos as demandas contemporâneas e os anseios econômicos e sociais.
A recente aprovação do Projeto de Lei 2.234/2022 pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que visa à legalização dos cassinos, bingos e outras modalidades de jogos de azar no Brasil, nos leva a perguntar: O Brasil tem fome de cassinos? Este questionamento transcende a simples questão de regulamentar uma atividade econômica. Ele nos força a confrontar complexas questões jurídicas, sociais e morais que definem a essência de nossa sociedade e nosso sistema jurídico.
A proposta, que já havia passado pela Câmara dos Deputados em 2022, pretende regulamentar uma prática há muito clandestina, permitindo a instalação de cassinos em polos turísticos e complexos integrados de lazer, além de regulamentar bingos, jogo do bicho e apostas em corridas de cavalos. Em teoria, essa medida poderia trazer uma nova fonte de receita e promover o turismo, mas também carrega consigo uma série de desafios legais e morais.
A legalização dos jogos de azar confronta diretamente os princípios constitucionais que defendem a ordem pública e os bons costumes. Historicamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem reafirmado a necessidade de proteger a sociedade contra os malefícios do jogo, citando os riscos de vício, lavagem de dinheiro e exploração econômica dos mais vulneráveis. A proposta da legalização, portanto, precisa enfrentar esses argumentos robustos que sustentam a atual proibição.
A criação de um marco regulatório para os jogos de azar exige mais do que a simples autorização legislativa. Implica a necessidade de estabelecer um sistema rigoroso de controle e fiscalização para prevenir os abusos e garantir a integridade das operações. Isso inclui a criação de um órgão regulador independente, a implementação de políticas de prevenção ao jogo compulsivo e a garantia de transparência nas atividades dos cassinos e demais casas de jogos.
Além das questões legais e morais, a legalização dos cassinos no Brasil envolve a realpolitik — a política prática que navega entre o ideal e o possível. A proposta enfrenta resistência significativa, especialmente da bancada evangélica, que argumenta que a legalização dos jogos de azar contraria os valores morais da sociedade brasileira. Essa resistência reflete uma tensão entre a necessidade de modernizar a economia e a preservação dos valores culturais e éticos.
A experiência de outros países que optaram pela regulamentação dos jogos de azar pode oferecer lições valiosas. No Reino Unido, por exemplo, a regulamentação é acompanhada por um forte sistema de fiscalização e políticas robustas de prevenção ao vício. No entanto, mesmo com um sistema rigoroso, os desafios sociais persistem, sugerindo que a legalização deve ser acompanhada por medidas de mitigação e controle rigorosos.
A legalização dos cassinos no Brasil não é uma questão de simples resolução. É um desafio que exige um debate profundo e isento de paixões, considerando os aspectos jurídicos, econômicos e sociais envolvidos. É necessário que nossos legisladores encontrem um equilíbrio entre a necessidade de regulamentação econômica e a proteção dos valores sociais e morais que sustentam nossa Constituição.
Assim como a letra da música dos Titãs nos faz refletir sobre o que realmente desejamos e necessitamos, a questão da legalização dos cassinos nos obriga a confrontar nossos valores e prioridades como sociedade.
Precisamos perguntar, “o Brasil tem fome de quê, tem sede de quê?” ao considerar as implicações desta mudança. Afinal, a resposta a essa pergunta não é apenas uma questão de legalidade, mas um reflexo dos valores que queremos defender como nação.